terça-feira, 1 de junho de 2010

A Luta de um caboclo - Segunda semana

• O Vantuil está na casa do papai, ele veio dizer que o Valdir ligou para avisar que seu pai está passando mal.
• O que aconteceu com ele? Perguntei!
• Não sei, mas o Vantuil está te esperando para te levar para o Pedro Néca para você pegar um ônibus e ir para Cuiabá. (Pedro Neca, trata-se de um desbravador de uma região localizada às margens da BR 174 no município de Porto Esperidião - MT e que fica a vinte e três quilômetros do Córrego Fundo onde eu morava. Pai do amigo Vantuil e mais quatro filhos e uma filha. Sua primeira morada na região hoje é uma vila em pleno crescimento. Homem corajoso e lutador ao morrer deixou para os filhos um bom começo na área de comércio varejista de combustíveis e secos e molhados).
Após essa breve conversa com minha esposa pegamos nossas filhas e saímos andando em silêncio até meu barraco feito com esteios de aroeira, vigas e caibros tirados de uma grande arvore de guatambu, paredes feitas de tábuas de abobrão e coberto com folhas de bacuri. Enquanto caminhava muitos pensamentos passaram em minha cabeça e todos eles parece que vieram de propósito para tentar me convencer de que talvez se tratasse apenas de um problema simples, mas as circunstancias mostravam o contrario. Pela maneira como eu e meus irmãos fomos criados, preservando a individualidade de cada um e a maneira como eu conhecia meu pai não deixava que aqueles pensamentos me convencessem. Dentro de mim eu sabia que o pior estava acontecendo pois, em primeiro lugar meu irmão Valdir jamais iria incomodar uma pessoa pedindo que ela se deslocasse vinte e sete quilômetros dos quais quatro de estrada de terra, se ele não tivesse certeza de que se tratava de um problema realmente sério, em segundo lugar, meu pai apesar dos quase setenta anos de idade, sempre teve uma saúde de ferro e não seria uma doença simples que o derrubaria. Isto foi exatamente o que eu disse a minha esposa quando ela tentou me acalmar enquanto eu me enxugava sentado em nossa cama após ter tomado um banho e já me preparando para ir de encontro a constatação que meu coração recusava acreditar mas que minha cabeça não tinha nenhuma dúvida.
Descemos em direção a casa principal da fazenda através de um caminho que nesta época havia se estreitado pelo excesso de mato que no inverno tem maior facilidade para crescer. O mato havia transformado aquele caminho em algo parecido com um túnel e isso parecia contribuir para que meus pensamentos se fixassem no que estava acontecendo, e que eu acreditava ser em Alto Araguaia, pois ate aquele momento não tinha maiores informações sobre o fato. Caminhei calado o que ao invés de me ajudar parece que só conseguia fazer com que aquele caminho que não tinha mais que quinhentos metros ficasse tão longo que parecia não acabar nunca. Depois de algum tempo chegamos a seu final e isso me trouxe a ilusão de que o amigo Vantuil traria algum alívio através de informações mais detalhadas. Engano meu pois sem saber qual seria minha reação diante do fato ou talvez por realmente não ter conhecimento destes, ele apenas me disse que não sabia de nada alem do que já havia dito e isto de certa forma me confortou trazendo a sensação de que nem tudo estava perdido. Por mais alguns minutos ficamos sentados ali na cozinha enquanto o Vantuil e meu Sogro terminavam uma conversa que com toda a sinceridade eu não tenho a menor idéia do que se tratava. É provável que falavam de política já que o Vantuil sempre foi uma pessoa bastante ligado a vida política do município e meu sogro apesar de pessoa simples gosta de estar sempre por dentro do tema. Terminada a conversa me despedi de todos e a cada pessoa com quem eu falava percebia no olhar um sinal de uma mistura de tristeza e pena que soava quase que como um pedido de desculpas pelo ocorrido. Isso me levou a pensar ainda mais em tudo o que estava acontecendo e, mesmo com a cabeça cheia com toda aquela situação não pude deixar de pensar em como faria para chegar a Cuiabá já que naquela hora não havia linha de ônibus regular no trajeto Pontes e Lacerda/Cuiabá. Neste caso pensei: ou eu iria de carona o que não seria nenhuma novidade em minha vida ou teria que aguardar a hora certa do ônibus o que me atrasaria demasiadamente. Enquanto viajávamos da fazenda até o Pedro Néca trocamos umas poucas idéias e quando já estávamos perto da Vila Pedro Néca ultrapassamos um ônibus que pertencia a uma outra linha dentro do mesmo trajeto. Devido ao conhecimento e a amizade do Vantuil consegui a autorização de embarque para Cuiabá . O ônibus parou na rodovia em frente ao posto Pedro Néca e sem tempo para mais nada agradeci ao Vantuil e embarquei para espanto de alguns passageiros que sabiam que aquela não era uma parada regular. Isso com certeza deve ter trazido alguma apreensão a eles pois naquela região àquela época ouvia-se falar muito sobre roubo de carretas e de outros tipos de perigos a mais. O ônibus começou a andar e após verificarem que se tratava apenas de um perdido procurando caminho os passageiros voltaram a sua rotina e eu tratei de conseguir um lugar para me sentar. Por sorte encontrei duas poltronas juntas e vazias o que me permitiu ficar só. Sentei-me na poltrona após colocar minha mochila no bagageiro superior e sem ter com quem conversar, o que aliás para mim não faria a menor diferença pois não teria cabeça para isso, bastou olhar pela janela do ônibus para que em minha cabeça se abrisse a janela do passado e, meus pensamentos fossem levados para os momentos em que meu pai me contava fatos de sua vida. Esses fatos sempre me atraiam bastante e tudo que ele me contava sempre ficou guardado em minha mente, mas naquele momento em função de eu parecer adivinhar o que estava acontecendo o que mais me chamava a atenção era saber como tudo aquilo tinha começado e me lembrei que certa vez meu pai tinha me contado sobre isso.

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