terça-feira, 8 de junho de 2010

A Luta de um caboclo - Terceira semana

Contou-me sobre o lugar onde nasceu. Ele dizia que se chamava “buracão” e que se tratava de um lugar isolado, porem plano e formado com capim jaragua, natural naquela região. Devido ao fato de ser necessário descer a Serra da Urtiga no município de Mineiros -GO, é que o local recebeu esta denominação. O Buracão era um daqueles lugares que ficava afastado de tudo e que havia sido esquecido por todos. Por tudo isso é que meu pai referia-se a ele como um sertão bruto. Foi neste cenário que em Janeiro de vinte e três nascia o quarto dos doze filhos que tiveram o Sr. Leopoldino Rodrigues da Silva e Dª. Rita Rosa Batista . O casal nascidos, ele em Minas Gerais e ela em Goiás foram criados na mais absoluta ignorância . Para eles o único tipo de vida que conheceram era a vida do trabalho duro, onde o correto era levantar bem cedo, ir para o mato balançar um machado ou para a roça puxar uma enxada do amanhecer ao entardecer. Isto era o mínimo que um cidadão que pretendia se candidatar a homem podia fazer. Tendo sido criados assim é compreensível que o Sr. Leopoldino não julgasse ser importante os estudos e dessa forma ele alem de não incentivar os filhos a estudar ainda tornava isso proibido para as filhas, com a justificativa baseada na seguinte frase: Pra que mulher aprender a ler? Só pra arrumar rolo e escrever carta pra namorado? Quanto aos filhos homens ele considerava perda de tempo os estudos mas neste caso era um pouco mais maleável e influenciado pela esposa que levava ate ele a súplica dos filhos acabava Por aceitar e até mesmo a ensinar o pouco que ele sabia, mas isso sempre depois do trabalho pois pra ele não se podia perde nem mesmo um minuto de trabalho com os estudos. Assim quando meu avô comprava alguns cadernos para os filhos e ele ou outra pessoa que soubesse escrever passava alguma lição para meu pai e seus irmãos no outro dia e nos dias que se seguiam, correndo o risco de serem descobertos, eles ficavam como bandidos, escondendo-se aqui e ali para fazerem as lições e quando os cadernos acabavam, com pedaços de pau eles escreviam no chão ou em folhas de bananeiras as lições aprendidas . Essas lições podiam não ser grandes mas eles jamais esqueciam porque sabiam que outra oportunidade talvez demorasse meses ou ate mesmo anos para chegar. Assim meu pai e seus irmãos foram acumulando o que para eles era uma grande riqueza e com o passar dos anos acabaram por aprenderem a ler e escrever e mesmo sem jamais ter tido a alegria de se sentar em um banco de escola meu pai lia, escrevia e fazia contas as vezes sem nem mesmo precisar de lápis e papel. Cada vez que meu pai me contou esta história eu pude perceber em seu rosto uma certa tristeza por seu pai não ter se esforçado para lhe dar a chance de estudar mas pude ver também que ele jamais teve a intenção de condena-lo já que ele sempre terminava esta história dizendo: “coitado ele foi criado nesse sistema”, numa clara declaração de que jamais guardou rancor. Enquanto eu pensava sobre isso, e depois de alguns minutos de viagem, meu ônibus já havia andado trinta e seis quilômetros e estávamos chegando a Porto Espiridião e por alguns instantes meu pensamento fugiu da história de meu pai mas, não por muito tempo já que a cidade era pequena e este ônibus não fazia parada nela. Desta forma um minuto após já tínhamos passado pela cidade e então meus pensamentos voltaram para as lembranças de meu pai e sua vida. Por alguns instantes fiquei pensando como seria viver naquele sistema onde alem de tudo ser absolutamente difícil ainda havia a ignorância daqueles que mandavam. Conclui que seria praticamente impossível suportar e foi inevitável a pergunta a mim mesmo. Como então meu pai conseguiu? Pelo que ele contava, não tinha opção mas, eu sabia que ele jamais concordou com aquela vida pois me lembro de vê-lo dizer que a partir de certa idade a maior ocupação de sua cabeça era tentar descobrir uma maneira de conseguir sair da casa de seus pais e ganhar a liberdade que ele tanto sonhava. Isso passou a ser objetivo de vida e foi assim que ele viveu a sua adolescência. Este objetivo tornou-se ainda mais forte quando chegou a sua juventude.
Foi nessa época que seu pai movido pela necessidade de ter um certo crescimento financeiro resolveu adquirir umas terras um pouco maiores para poderem trabalhar. Sendo assim após poucas vindas a Mato Grosso eles já estavam prontos para se mudar da região do buracão onde viviam para uma outra região no município de Itiquira - MT, mais precisamente na cabeceira do rio Jurigue. Para fazerem a mudança foram utilizados três carros de bois e alguns cavalos. Era o ano de trinta e seis e o casal Leopoldino e Rita já tinham nove filhos. Nesta época meu pai já estava com treze anos de idade e pelo fato de ser um dos filhos homens mais velhos ele foi encarregado pelo meu avô de fazer esta viagem a pé para tocar os porcos. Parece brincadeira mas não é. Ele tinha que viajar tocando os porcos da mesma maneira que se toca gado, fazendo com que eles andem vários quilômetros por dia. Para quem nunca teve a oportunidade de fazer tal trabalho talvez não imagina o grau de dificuldade, mas para quem já passou por isso sabe que porco não é muito a favor de longas caminhadas. Sabendo que a dificuldade em realizar este trabalho era imensa, para que meu pai, o Juca Lipurdino, ganhasse tempo, meu avo o chamava às quatro horas da manha. Ele se levantava, lavava o rosto, tomava uma caneca de café e sem muita demora iniciava sua jornada enquanto minha avó iniciava a preparação do almoço. Depois do almoço pronto, e os carros de bois carregados com a traia de cozinha, a comitiva se colocava a caminho e aproximadamente depois de duas horas de caminhada, ao passarem por meu pai lhe entregavam seu caldeirão de comida que servia como almoço, merenda e às vezes janta. A comitiva ia embora e quando estava anoitecendo escolhiam um novo ponto de pouso onde iam fazer a janta e esperarem que lá pelas nove ou dez horas da noite meu pai chegasse com a porcada para dormir e no outro dia repetir tudo de novo.


(Olá a todos! Me propus a tornar esta página semanal e devido a correria do dia a dia isto tem se tornado um pouco difícil. Prometo que vou me esforçar para cumprir este objetivo. Obrogado a todos! Ilto Silva)

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